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SÃO PAULO – Quando o assunto é engenharia do impossível, poucos lugares impressionam mais do que a China. E o último grande projeto da potência asiática honra essa tradição. Engenheiros chineses estudam maneiras de levar 10 bilhões de metros cúbicos de água a mais, todos os anos, para a região do planalto Tibetano, uma das mais altas e secas do mundo. Para isso, eles estão projetando o maior sistema para semear chuva do planeta em uma área três vezes o tamanho da Espanha, ou seja, com cerca de 1,6 milhão de quilômetros quadrados.

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Para garantir todo esse volume de água, que equivale a mais de sete vezes a capacidade total do sistema Cantareira (com o volume morto) e 7% de todo consumo de água da China, o projeto terá duas etapas. A primeira envolve a instalação, no planalto Tibetano, de dezenas de milhares de queimadores de um combustível sólido que emite iodeto de prata – e quase nenhum gás carbônico, segundo os pesquisadores. Na medida em que o vento forte empurra essas partículas para a base das montanhas, nos limites da região, elas são forçadas para cima, ganham altitude e ajudam na formação de nuvens de chuva ao se tornarem pontos para a aglomeração de umidade.

A segunda parte do plano envolve usar tecnologia parecida para interceptar nuvens das monções indianas de verão, carregadas da umidade acumulada no oceano entre o continente africano e a Índia. Hoje, boa parte da água das monções cai na Índia. Com a inovação, a ideia é levar parte dessa água para a China. Eventuais conflitos que a decisão pode gerar entre os dois países não foram detalhados.

Desafio tecnológico

Usar iodeto de prata para semear nuvens e mudar o clima não é novidade. Em 2008, na mesma China, o governo usou a tecnologia para descarregar nuvens carregadas de chuva antes que elas chegassem à Pequim para estragar a abertura do Jogos Olímpicos de Verão. Deu certo. No entorno da cidade choveu, mas na região do estádio “Ninho de Pássaro”, onde aconteceu a cerimônia, não caiu uma gota sequer.

A diferença, agora, é que os cientistas chineses terão de usar essa tecnologia em escala ainda não testada. Mais: os queimadores que lançam o iodeto de prata na atmosfera terão de funcionar em altitudes superiores a cinco mil metros. Nesses casos, a concentração de oxigênio é consideravelmente menor que em altitudes inferiores, o que pode representar dificuldades para o funcionamento dos equipamentos.

Participam dos esforços para viabilizar o projeto a estatal chinesa Corporação de Ciência e Tecnologia Aeroespacial, a Universidade Tsinghua, em Pequim, e a Prefeitura de Qinghai. A solução é descrita por autoridades como estratégica para garantir um futuro com segurança hídrica para a região. Ainda não há orçamento definido nem previsão para que o sistema comece a funcionar. Mas a experiência mostra que, se existe um lugar onde projetos tidos como impossíveis por seu ineditismo e escala dão certo, esse lugar é a China. É esperar para ver.