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SÃO PAULO – No dia 20 de março, a corte do estado indiano de Uttarakhand anunciou o reconhecimento de direitos da pessoa do rio Ganges e seu principal afluente, o rio Yamuna. Com a decisão, o ato de poluir ou atacar os cursos de água passou a ser tratado, pela Justiça do país, como um ataque a um de seus cidadãos, com punições e consequências correspondentes. A decisão permitiu que o rio, por meio de seus guardiões, passasse a ter o direito de tomar empréstimos, peticionar a Justiça e até adquirir bens. O rio também passou ter ‘autonomia’ para entrar na justiça contra a poluição de suas águas.

Pois no final de março, o ativista ambiental Brij Khandelwal ligou para a polícia de Agra, uma das cidades por onde passa o Yamuna, para reportar uma tentativa de assassinato. “O Yamuna está, ecologicamente morto”, disse Khandelwal ao The Guardian, um jornal inglês. O ativista então indicou uma série de nomes responsáveis pelo envenenamento do rio à polícia, entre eles autoridades governamentais. “Se o rio está morto, alguém deve ser responsabilizado”, disse.

Direitos de quem?

O problema é que a decisão tem sido duramente combatida e, na última sexta-feira, foi suspensa pela Suprema Corte do país. Pior: o governo do estado de Uttarakhand, onde a decisão foi tomada, já não quer que ela continue valendo. Os burocratas temem que, ao conceder direitos como os de uma pessoa ao rio, o rio e seus guardiões podem vir a ser responsabilizados por danos causados por enchentes e outros desastres associados ao rio.

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Hoje, esses guardiões integram a burocracia do estado de Uttarakhand. O que cria outro problema: será que membros do governo são os melhores guardiões para o rio? “Se um projeto de hidroenergia é apresentado, que lado o burocrata vai tomar? O do rio ou o do governo?”, questiona Ritwick Dutta, um advogado ambiental baseado em Nova Deli, capital do país.

Falta de planejamento

A impressão que fica é de que a ideia de dar status de pessoa ao Yamuna e ao Ganges foi tomada sem planejamento. Se o objetivo fosse, de fato, melhorar as condições dos cursos de água, projetos alinhados a esse objetivo já estariam estruturados. Foi isso, aliás, que aconteceu na Nova Zelândia, quando o rio Whanganui passou a ter esses direitos.

Com o reconhecimento do novo status do rio, 75 milhões de euros, o equivalente a cerca de R$ 249 milhões, foram pagos em reparações ao rio e outros 28 milhões de euros, ou cerca de R$ 93 milhões, foram separados para cuidar da “saúde” do curso de água. Trata-se de um investimento proporcional à importância e ao tamanho do rio, que é o terceiro maior da Nova Zelândia.