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SÃO PAULO – Qual foi a última vez que você comentou com os seus amigos sobre a conta de água? O mais provável é que você nem se lembre qual foi o valor no mês passado, ou nem tenha visto a conta. Mas falar sobre esse assunto deveria ser mais comum. De acordo com especialistas em água e saneamento, a tarifa de água e esgoto pode ser um instrumento e tanto para promover a preservação ambiental e a equidade social. Afinal, é ela que define o quanto pode e será investido para a universalização do sistema de esgoto, por exemplo.

“Você vê o pessoal discutindo a conta de energia, de celular e até o plano de celular. Agora, o plano de água, a conta de água, ninguém discute”, afirmou o diretor-presidente da Odebrecht Ambiental Fernando Santos-Reis durante o debate promovido pelo Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) e a Aliança pela Água, no último dia 24 de novembro, em São Paulo, justamente sobre a tarifa de água e esgoto.

Para Santos-Reis e os demais debatedores presentes na mesa, é muito importante que a população participe do tema pois, quanto maior a transparência, melhor poderá ser a política de saneamento e de tarifa de água. “Nas cidades, a maioria nem vê a conta de água. Ela às vezes vem atrelada ao próprio condomínio”, completou.

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Que investimento é esse
O fato é que poucos sabem sobre a relação entre o tipo de prestação do serviço e o valor e destino da tarifa. Assim como para muitos, água e saneamento são “peças mágicas” da vida cotidiana que surgem na torneira e desaparecem com a descarga, pouco se sabe do quanto falta para a universalização do serviço.

Para se ter uma ideia da baixa abrangência dos sistemas de água e saneamento, de acordo com os dados mais recentes do Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos, de 2014, mais de 35 milhões de brasileiros ainda não têm acesso aos serviços de água potável, 100 milhões (ou metade da população) não têm serviço de coleta de esgoto e apenas 40% de todo o esgoto produzido no Brasil é tratado.

Para reverter esse quadro, serão necessários investimentos significativos, incluindo, não apenas o abastecimento de água de boa qualidade e a coleta do esgoto, mas, também, o seu efetivo tratamento. Segundo as estimativas do Instituto Trata Brasil, com base nos dados do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), o investimento necessário para que todos tenham acesso ao serviço de saneamento básico é da ordem de R$ 303 bilhões em 20 anos.

Como é feita a tarifa
O problema da tarifa, de acordo com Santos-Reis é que, no Brasil,  ela “é feita de trás para frente”, pois ela não é estipulada a partir dos custos da operação e a previsão de investimentos necessários. Atualmente, tarifa é feita com base nas outorgas que a definem a partir da concorrência de oferta de menor preço, por exemplo.

Essa estrutura também foi alvo de críticas do presidente do Conselho Diretor do IDS, João Paulo Capobianco. “Esse tipo de modelo não permite a participação de ninguém, muito menos da sociedade”, afirmou, enfatizando a importância da participação popular nessas decisões.

Outras formas de universalizar o sistema
De acordo com a professora de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ana Lúcia Britto, em outros lugares do mundo, a universalização dos serviços de água e esgoto se deu a partir de investimento público massivo e não com o pagamento da tarifa. “E aí a tarifa vai fazer com que esse investimento permaneça”, diz.

Para a professora é possível ter mais transparência e fazer com que a lógica do modelo tarifário não seja focada no modelo econômico, mas a partir da lógica do direito social e, para isso, existem vários modelos internacionais para a gente se inspirar.

“Na França, a tarifa se divide entre alguns itens, como distribuição, custo do serviço, intercomunalidade, preservação dos recursos, coleta e tratamento dos esgotos”, diz. Britto afirma que essa transparência provoca maior participação da população nas decisões e investimento.  Para ela, também é preciso ampliar a chamada tarifa social. “Em Uberlândia, eles reservaram 5% do arrecadado para o modelo social, que não cobra de famílias de baixa renda que usem até 20 mil metros cúbicos”, diz.

A ativista Marussia Whately, coordenadora da Aliança pela Água – articulação da sociedade civil criada em outubro de 2014 para enfrentamento da crise hídrica em São Paulo – vai mais fundo e afirma que a transparência pode servir de base para que a própria população interfira não só na tarifa como também nas decisões referentes aos investimentos.

“A pergunta que a gente tem que fazer é: se a tarifa vai ter uma vinculação com plano de investimentos das empresas que prestam o serviço de água e esgoto, quem decide o plano de investimentos? Precisamos todos estar a par dessas decisões” afirma.